Café: uma planta capaz de moldar a história
- Eduardo Muniz
- 19 de abr. de 2023
- 7 min de leitura
Foto da capa: http://www.penagosmontealegre.com.br
Sexta-feira passada, 14/4, foi o dia mundial do café. Uma das bebidas mais consumida no mundo, proveniente, é claro, de uma planta. Como bom apreciador de café, eu não teria como não escrever sobre essa planta tão incrível que fornece esse produto capaz de te trazer de volta a vida para enfrentar a sua rotina, e ser uma pessoa útil e produtiva na sociedade. E que, além de tudo, assim como o cacau que escrevi sobre, na semana passada, também tem uma grande importância socioambiental no Brasil. Na verdade, o cafeeiro foi uma das primeiras plantas que ajudou a levantar o nosso país.
O café tem uma história interessante sobre a origem do seu uso. Diz-se que pastores, lá na região da Etiópia, observaram que suas cabras estavam se alimentando de frutos vermelhos de uma planta misteriosa, e que esses animais depois de um tempo ficavam cheios de disposição e energia, subindo morros e montanhas com facilidade. Os pastores passaram a consumir os frutos dessa planta e constataram que realmente forneciam mais disposição e energia. Intrigados, levaram a planta para os monges locais identificarem, mas esses também não a conheciam.
Os monges experimentaram o fruto, e não deu outra, ficaram apaixonados e passaram a cultivar a planta. Esse gosto pelo fruto também se espalhou pela população que o consumia em diversas formas. Então, a planta se dispersou pelo continente africano, através do comércio de mercadorias, até chegar na região da Arábia e cair no gosto dos árabes. Eles dominaram o plantio e preparo do café, consumindo-o de diferentes maneiras até chegar na bebida obtida pela torra dos grãos de hoje em dia. O sucesso do café entre os árabes fez surgir o interesse pelos países europeus, como a Holanda, Itália, Alemanha e França, que passaram a produzi-lo nas suas colônias. E com o tempo, o café foi se espalhando pelo mundo, em suas diferentes formas e sabores, até se tornar uma das bebidas mais consumida pelo ser humano.

No Brasil, o cafeeiro foi uma planta que trouxe diversas mudanças econômicas, sociais e políticas. Seu cultivo no nosso país começou no estado do Pará, se espalhou por alguns estados da região nordeste, até chegar no Rio de Janeiro e posteriormente em São Paulo, o qual foi o maior produtor de café no mundo durante o século XIX e início do século XX. Apesar da sua importância, o café no Brasil não possui uma história bonita para ser contada.
A produção do café no país ocorreu nos moldes de exploração com grandes áreas de monocultura, assim como era a cana-de-açúcar, visando o mercado internacional e usando mão de obra escrava e assalariada. O seu cultivo em larga escala, principalmente entre os séculos XIX e início do XX, buscando quantidade e não qualidade e equilíbrio com a natureza, foi responsável por desmatar grandes áreas de floresta nativa na Mata Atlântica e causar empobrecimento do solo nas áreas de cultivo. Como exemplo de caso real desses problemas, podemos citar a principal região produtora de café no início da sua expansão, o Vale do Paraíba, que se tornou uma região de solo infértil e causou prejuízo para diversos fazendeiros.

Hoje, o café ainda é uma das commodities de maior valor agregado no Brasil. Porém, agora tem ganhado destaque principalmente pela produção orgânica feita por diversas famílias de assentamentos por diferentes movimentos sociais em diferentes partes do país. As plantações de cafeeiro feitas por essas famílias, assim como o cacau e outras variedades, cresce em harmonia com a natureza através dos sistemas agroflorestais, sendo assim, uma importante espécie socioambiental, pois gera renda para pequenos e médios produtores, especialmente os que vivem em assentamentos, além de ser produzido de forma que se integra a natureza, respeitando seus ciclos e ajudando na sua conservação.
Trouxe nesse texto um olhar botânico para o café, além de destacar a sua importância socioambiental, mostrando casos de famílias que plantam cafeeiro para complementar a renda, provando que é possível usar essa commodity a favor do meio ambiente e como uma das alternativas para diminuir as desigualdades no nosso país.
Aspectos botânicos da planta que faz o seu cafezinho
O café, é um produto que pode ser obtido por meio de diferentes espécies que pertencem ao gênero Coffea L. da família Rubiaceae, mas duas espécies se destacam em termos de produção mundial, Coffea arabica (variedade arábica) e Coffea canephora (Variedade robusta). Outras espécies cultivadas em menor escala são o Coffea liberica (café Libérica) e o Coffea dewevrei (café Excelsa). Como falei no começo do texto, o gênero é nativo da África tropical das regiões da Etiópia e Congo.
Quanto a sua taxonomia, é difícil ter uma descrição precisa, já que o gênero tem bastante diversidade, mas, em geral, é um arbusto ou arvoreta que pode alcançar cerca de 4 m de altura. Suas folhas são de coloração verde-escuro e possuem um brilho típico, são coriáceas, alternas e elípticas. Suas flores nascem em inflorescências axiais, entre a base do pecíolo e o ramo, e a cor varia entre as espécies. A flor é hermafrodita, possui pétalas e sépalas, estames em número de 5 com abertura longitudinal.
O fruto formado após a polinização das flores, que pode ser feita principalmente por abelhas do gênero Apis, é constituído por uma casca externa conhecida como exocarpo e envolve a polpa, a mesma que foi utilizada para preparar bebidas logo no início da descoberta da planta, que possui um gosto adocicado a amargo em algumas espécies. A polpa envolve as sementes, que é onde está o maior interesse econômico da planta, pois é através da sua torra que será obtido o café.

Uma importante substância presente na semente do café é a cafeína, um alcaloide que na planta acredita-se ser responsável por inibir a germinação da semente, e no ser humano exerce estímulo sobre o sistema nervoso central, bloqueando os receptores de adenosina, um neuro transmissor responsável por nos induzir ao sono. Então é por isso que o café dá aquela levantada. Só que, se tratando de alcaloide, categoria de substância química que pode causar vício e dependência, a cafeína em excesso pode ser um problema. Porém, a mesma possui vários benefícios para a saúde humana.

Imagina ser uma planta e dominar uma espécie considerada superior para se dispersar ao redor do mundo e ocupar vários habitats através de uma substância química viciante? Bom, essa é Coffea, um exemplo de caso de sucesso evolutivo.
Aprender com o passado para um novo futuro
Como foi elucidado no texto, a produção de café no Brasil seguiu moldes extremamente prejudiciais à natureza desde a época colonial, crescendo em sistemas de monocultura a pleno sol, ou seja, em áreas abertas por desmatamento, isso devido à alta demanda do mercado e visando o lucro da produção. É interessante pontuar que, o cafeeiro é uma planta que na natureza cresce em áreas com árvores que causam sombreamento nele. É considerada uma planta de bosque e não de pleno sol.
A cafeicultura no Brasil, desde a época que era uma colônia, trouxe consigo não só problemas ambientais como foi responsável por acentuar diversos problemas sociais no país. Nesse período, por muito tempo, a principal mão de obra era de escravos africanos, responsáveis por diversas atividades nos cafezais dos seus senhores. Após a abolição, a cafeicultura passou a utilizar a mão de obra barata dos imigrantes europeus que chegavam ao Brasil. Esses tinham péssimas condições de trabalho, análogas à escravidão.
Infelizmente, o cultivo de café em grandes lavouras ainda é responsável por diversos casos de trabalho escravo todos os anos, mesmo com a commodity vendendo bastante e gerando bastante lucro para a economia do país. Os trabalhadores rurais passam por trabalho forçado, jornadas exaustivas, servidão por dívidas e condições laborais degradantes como não ter banheiro no local de trabalho, camas improvisadas, ausência de um local para refeição, etc. Sem falar nos casos de trabalho infantil que também ocorre nessas lavouras.
Em contrapartida, um novo modelo de produção que vem sendo divulgado, orgânico e agroecológico tem se destacado no mercado do café, feito principalmente por famílias de assentamentos, quilombolas e povos indígenas. Esse tipo de produção mostra ser possível produzir café de forma ecológica, gerar renda, respeitar o meio ambiente e ainda emancipar trabalhadores rurais e populações tradicionais. Um exemplo desse tipo de produção é mostrado em dois documentários feitos pelo MST que deixo nos links abaixo.
Isso por que, ao contrário do modelo tradicional, esses cultivos visam a qualidade e não a quantidade, portanto, desenvolvem-se em respeito com os ciclos ecológicos locais. A planta cresce em áreas de florestas, com outras árvores fazendo sombreamento, assim como a espécie ocorre na natureza. Além do café, nesse modelo agroecológico os produtores desenvolvem outros cultivos junto com o cafeeiro, como, por exemplo, bananas, cacau, mandioca, castanha, açaí, entre outros, fazendo com que diminua a dependência sob a safra do café. O plantio entre a vegetação nativa também oferece melhor qualidade no solo e consequentemente não recorre a fertilizantes.
O cultivo do café em SAFs é uma prática que precisa ser divulgada e ensinada para pequenos e médios produtores, para os que ainda utilizam sistemas de plantio convencional, já que muitas vezes essa foi a maneira de produzir que lhes foi ensinada, fazerem a transição agroecológicas em suas terras. Para isso, devemos contar com a educação ambiental, que pode mostrar a esses produtores como produzir de forma diferente, com esses sistemas agroflorestais, que, apesar de ter seus desafios para ser implantado, a longo prazo traz vários benefícios para os próprios produtores.

Como consumidores, é importante incentivar as produções de café de pequenos e médios produtores rurais, principalmente os que vem das famílias de assentamentos e povos tradicionais, comprando seus produtos disponível em mercados locais ou online. Quanto mais incentivarmos, falarmos sobre esses produtos e as famílias que os produzem, mostrarmos os seus benefícios, mais demanda sob o mesmo será gerada. Já as grandes empresas e supermercados que atuam nas cadeias produtivas de café, é necessário que haja fiscalização com relação a produções que submetem trabalhadores a condições análogas a escravidão e que passem a dar preferência por cafés produzidos de forma agroecológica.
Apesar do café não ser uma planta nativa, chegou ao nosso país e desencadeou uma série de mudanças, na sua maioria não positivas. É interessante pensar que o café que tomamos no dia a dia é uma planta que carrega bastante história, e não só dominou nosso paladar como também foi, e ainda continua sendo, responsável por mudanças na história da nossa sociedade.
Referências
https://www.cooperbatata.com.br/culturas/cafe.
https://www.ecodebate.com.br/2015/10/09/o-impacto-da-cultura-do-cafe-no-meio-ambiente-do-brasil-do-seculo-xviii-ao-xxi-artigo-de-sandra-marcondes.
Lopes, P. R., Kageyama, P. Y., & Lopes, K. C. S. A. (2014). Sistemas Agroflorestais e Produção Agroecológica de Café na Região do Pontal do Paranapanema.
Martins, Ana Luíza. História do café - São Paulo, contexto, 2012.
Peruzzolo, M., Cruz, B. C. F. da, & Ronqui, L. (2019). Polinização e produtividade do café no Brasil. Pubvet, 13(04). https://doi.org/10.31533/pubvet.v13n4a317.1-6.
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