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  • Foto do escritorEduardo Muniz

Cacau: para além do chocolate

Foto da capa: Crush Boone/The Tico Times

A páscoa acabou de passar, mas a minha vontade de comer chocolate não. Isso porque não tem época nem hora para comer chocolate, né!? Como bom chocólatra, decidi fazer um post falando desse produto que esteve em alta na semana passada. Na verdade, decidi falar sobre a planta que dá origem a ele, o cacaueiro. A princípio seria apenas um post botânico para falar da árvore, mas o cacaueiro é uma planta muito interessante, diretamente relacionada a vários outros temas, principalmente no âmbito socioambiental, o que é perfeito, pois sempre tento trazer essa temática nos textos do meu blog.


Os primeiros apreciadores do fruto


O chocolate, como vocês bem devem saber, é um produto que vem do fruto chamado de cacau, de uma planta conhecida como cacaueiro, ou pé de cacau, com nome científico Theobroma cacao. O primeiro nome dessa espécie, Theobroma, em grego significa alimento dos deuses, e, não porque o chocolate é gostoso demais, mas pela origem do uso do cacau.


Os Astecas apreciavam bastante esse fruto e o consumiam em uma bebida amarga, misturada com milho e outras especiarias, a dos nobres e guerreiros era misturada com mel, conhecida como tchocolath. Eles acreditavam que o cacau era um fruto dada pelo Deus Quetzalcoatl, o Deus serpente e era tão importante para o império Asteca que servia como moeda de troca.


Após a colonização e genocídio dos povos Astecas pelo espanhol Hernando Cortez, a produção de cacau ficou nas mãos dos espanhóis e foi levada para a Europa, e o chocolate, agora mais refinado e com outros preparos, passou a ser o alimento preferido da nobreza. Então vários países passaram a produzi-lo, incluindo as colônias como Brasil, Venezuela, Equador, Gana, etc.


O produto era uma grande novidade na época e poucas pessoas sabiam o que e como era um cacaueiro, sequer sabiam que aquilo era obtido de uma planta. Bom, atualmente não é difícil achar alguém que nunca tenha visto um cacau, ou um cacaueiro. Imagina então a flor! É a chamada cegueira botânica (assunto que pretendo trazer em outro texto).


Um olhar botânico sob a espécie


O cacau nasce de uma flor pequena (ca. de 5 cm), de coloração branca a rosada, que fica disposta em inflorescências caulinares. Essas flores são consideradas hermafrodita, ou seja, possui estruturas reprodutivas que abriga ambos os gametas, no caso das plantas, o grão de pólen e o óvulo. É através da polinização, encontro do pólen com o estigma, que pode ser feita por moscas, formigas e principalmente mosquitos, ou até manualmente, que o cacau vai surgir. Seus principais polinizadores são mosquitos do gênero Forcipomyia.


O fruto é então formado no ovário da flor que passa por diversas mudanças e se transforma no cacau que conhecemos. As sementes são envoltas por uma substância branca e carnosa, conhecida como arilo. Para a obtenção do chocolate essas sementes precisam passar pelo processo de fermentação que vai retirar esse arilo e depois serão colocadas para secar.

É da semente após seca, que passa a receber o nome de amêndoa, de onde é retirado o principal ingrediente para fazer o chocolate, o pó de cacau. Após a fermentação e secagem das sementes ocorre o processo de torra que leva a obtenção da farinha. A partir dessa farinha que são produzidos os diferentes tipos de chocolates, ao leite, meio amargo (meu favorito), amargo, etc., que movimentam milhões na economia de diversos países.


Cacau e seu potencial socioambiental


Atualmente, o cacau tem se destacado no Brasil como uma alternativa para produtores rurais. As plantações de cacaueiros em Sistemas Agroflorestais (SAFs) são uma excelente forma de produzir renda para pequenos agricultores que plantam cacau com outras variedades como açaí e banana, principalmente na região da Floresta Amazônica, bioma que a espécie Theobroma cacao é nativa e que sofre com o desmatamento causado principalmente pela agropecuária.


Estudos mostram que o aumento de plantações de cacau está ajudando a reduzir o tamanho de áreas desmatadas, isso por que com a boa rentabilidade da produção de cacau, intensificada principalmente pela indústria de chocolate, os produtores rurais estão investindo nessa planta, aumentando seus hectares, alguns até estão trocando o pasto e as monoculturas por plantação de cacau, muitos em SAFs.


Porém, o cultivo tradicional de cacau, com hectares e hectares apenas de cacaueiro, visando o abastecimento do mercado e lucro de grandes multinacionais, que infelizmente ainda é a maioria da produção de cacau ao redor do mundo, desencadeia problemas sociais como o trabalho escravo e trabalho infantil, não só no Brasil como nos outros países exportadores do produto. Os números de denúncia aumentam durante a páscoa, época de grande demanda.


As grandes plantações de cacau eram comuns e estavam em alta no Brasil até meados da década de 1990, quando uma grande doença causada por um fungo conhecido como Vassoura de bruxa (Crinipellis perniciosa), dizimou boa parte das plantações no sul da Bahia, principal região produtora de cacau do país na época. Um dos motivos do fungo ter se espalhado tão rápido foi a falta de diversidade de espécies na plantação, proporcionada por esse tipo de cultivo, coisa que não acontece nos SAFs. Esse modelo de produção precisa ser combatido, e a população deve ter soberania na produção do cacau, que tem tido sucesso em sistemas agroflorestais.


Um viés socioambiental muito importante do cacau está no seu cultivo e comercialização por várias comunidades de assentamentos. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário, existem 3,9 mil famílias que cultivam 17 mil hectares de lavouras cacaueiras, em sintonia com a floresta nativa, em SAFs, como principal obtenção de renda.


É como mostra, por exemplo, um documentário produzido de forma independente, pelo fotógrafo Fellipe Abreu e a jornalista Patrícia Moll, que narra o processo de emancipação através da plantação de cacau pela comunidade de um assentamento em Dois Riachões (Assentamento Dois Riachões-CETA), no sul da Bahia.




É importante darmos atenção a produtos com origem nesse tipo de produção, que além de serem feitos respeitando a floresta nativa, também a preserva, assim como a biodiversidade local e gera reanda a grupos mais vulnerabilizados socialmente, além de combater o trabalho infantil e trabalho escravo. O cacau é um exemplo de produto realmente sustentável. É nesse tipo de produção de alimento que os esforços devem ser direcionados.


O cacaueiro é uma planta que além de fornecer um dos produtos mais gostosos que o ser humano já inventou, também carrega consigo uma rica história etnobotânica de ancestralidade e tem se tornado um aliado entre geração de renda e conservação da natureza, pois pode ser cultivado com a floresta nativa, sem a necessidade de degradar novas áreas e ainda com uma produção orgânica.


Essa é só mais uma das maravilhosas plantas nativas que temos em nosso país.



Referências








BATISTA, Ana Paula Sabbag Amaral. Chocolate: sua história e principais características. 2008. 56 f. Monografia (Especialização em Gastronomia e Saúde)-Universidade de Brasília, Brasília, 2008.


Cuenca, Manuel Alberto Gutiérrez, Cristiano Campos NazárioImportância Econômica e Evolução da Cultura do Cacau no Brasil e na Região dos Tabuleiros Costeiros da Bahia entre 1990 e 2002. Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros, 2004.


Doestert, N.; Roque, J.; Cano, A.; La Torre, M.; Weigend, M. (2012). Hoja botánica: Cacao (Theobroma cacao L.). Cooperación Alemana al Desarrollo – Agencia de la Giz, en el Perú. Lima. 159.


Paleari, Lucia Maria. Um pão recheado de histórias – São Paulo : O Autor, 2021 ePub.


Queiroga, Vicente de Paula, Cacau (Theobroma cacao, L.) orgânico sombreado: Tecnologias de plantio e produção da amêndoa fina. 1ed. / Organizadores, Vicente de Paula Queiroga, Josivanda Palmeira Gomes, Bruno Adelino de Melo, Esther Maria Barros de Albuquerque. – Campina Grande: AREPB, 386 f, 2021.


Venturieri, A. , Oliveira, R. , Igawa, T. , Fernandes, K. , Adami, M. , Júnior, M. , Almeida, C. , Silva, L. , Cabral, A. , Pinto, J. , Menezes, A. and Sampaio, S. (2022) The Sustainable Expansion of the Cocoa Crop in the State of Pará and Its Contribution to Altered Areas Recovery and Fire Reduction. Journal of Geographic Information System, 14, 294-313. doi: 10.4236/jgis.2022.143016.





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